Por que se dividem as igrejas?

[NOTA: Este artigo foi originalmente publicado em meu blog Liberal Space, em 3 de Novembro de 2014, revisado em 6 de Abril de 2017. Republico-o aqui por ser o tema mais pertinente à História da Igreja do que ao Liberalismo. É um artigo que discute questões gerais e toca, à guisa de ilustração, em questões pessoais.]

I. Introdução ao Tema

Desde que comecei a me interessar pela História da Igreja Cristã me fascinaram as chamadas cisões (também chamadas de cismas, termo masculino) dentro da igreja. Igrejas, sejam elas, nos extremos, igrejas locais ou a própria religião cristã, como tal, se dividem: separam-se, (geralmente) em duas, passando a existir, na melhor das hipóteses, em relações amistosas, como instituições irmãs, ou, na pior hipótese, como instituições inimigas, que combatem (ou pelo menos regularmente criticam) uma à outra.

O que se chama, genericamente, de Protestantismo é resultado de uma cisão dentro da Igreja Católica Apostólica Romana — até aquela ocasião o principal ramo do Cristianismo. Consumada a cisão, entre 1517 e 1530, criou-se um novo ramo do Cristianismo: o ramo reformado, que, logo, não era um ramo unificado, nem mesmo muito unido, dividindo-se em luterano, calvinista, anglicano, radical, etc. Outros surgiram rapidamente, mas no devido tempo. Curiosamente, foi o ramo calvinista, o segundo criado, e não o luterano, que herdou, em alguns países, o nome de “Igreja Reformada” (que especialmente nos Estados Unidos e no Brasil é predominantemente presbiteriano).

Mas a própria Igreja Católica Apostólica Romana, cindida em 1515-1530, já era resultado de uma cisão anterior que separara, de forma aparentemente definitiva (já vai fazer mil anos), em 1054, um Cristianismo até então unificado. Ali criaram-se “dois Cristianismos”: o Romano (com sede em Roma) e o Bizantino (com sede em Constantinopla, cujo nome era conhecido também como Bizâncio. A Igreja Bizantina é geralmente chamada hoje em dia de Ortodoxa, porque, com a queda de Constantinopla na mão dos árabes em 1453, a sede da Igreja Bizantina saiu de lá e perambulou por países mais ou menos próximos, ficando, finalmente, em Moscou. Por isso se fala, muitas vezes, em “Igreja Ortodoxa Russa”.

Mas sempre houve cisões dentro do Cristianismo — mesmo do Cristianismo nascente, cuja identidade não estava ainda plenamente estabelecida. Por volta do ano 50 ficou caracterizado, no chamado Concílio de Jerusalém, um evento descrito em Atos dos Apóstolos cap. 15 e comentado por Paulo na Epístola aos Gálatas cap. 2, o princípio de uma divisão entre Cristãos Judaizantes, com sede em Jerusalém, e Cristãos Gentios, com sede em Antioquia. Paulo era claramente o líder desta facção, a outra sendo liderada por Pedro ou por Tiago, irmão de Jesus. Essa divisão, segundo tudo indica, não se consumou, por uma razão simples. Os Cristãos Judaizantes viam o Cristianismo não como uma religião independente, mas como um ramo (uma seita) do Judaísmo. Ao concordarem, no Concílio de Jerusalém, com a validade do Cristianismo Gentio, estavam, na realidade, sacramentando uma cisão no Judaísmo — o que torna o próprio Cristianismo, originalmente, uma cisão dentro do Judaísmo. Os Cristãos Judaizantes acabaram sendo absorvidos pela nova religião (o Cristianismo Gentio virou apenas Cristianismo) ou foram reabsorvidos pelo Judaísmo.

Fui, virtualmente desde que nasci (1943) até os meus 24 anos (1967). membro da Igreja Presbiteriana do Brasil — criada, por volta de 1859, pela Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos, ela própria, de certo modo, criada (oficialmente, em 1709) principalmente pela Igreja Reformada da Escócia, esta criada (em por volta de 1560) dentro do conjunto das Igrejas Reformadas (calvinistas), que passou a existir (a partir de cerca de 1536-1541) dentro das igrejas da Reforma, movimento que (a partir de cerca de 1517-1530) se separou da Igreja Católica Apostólica Romana, que, por sua vez, se separou da Igreja Católica Apostólica Bizantina (em 1054). Nesse período de 24 anos, fui membro menor da Igreja Presbiteriana de Lucélia, SP, de Irati, PR, de Marialva, PR, de Maringá, PR, de Santo André, SP, e de São Paulo (Igreja do Jardim das Oliveiras, na Alameda Jaú, hoje não mais parte da Igreja Presbiteriana do Brasil). Na Igreja Presbiteriana de Santo André (então havia apenas uma desse ramo das presbiterianas na cidade) fiz minha pública profissão de fé, em 1960, deixando de ser “membro menor”, para ser “membro comungante”. Na transição de 1966 para 1967, transferi-me da Igreja Presbiteriana de Santo André (da qual meu pai era pastor) para a Igreja Presbiteriana do Jardim das Oliveiras (da qual era pastor o Rev. José Borges dos Santos Júnior). A minha transferência se deu já dentro de um processo de cisão da Igreja Presbiteriana do Brasil, que acabou por se consumar apenas em 1978, com a criação da Igreja Presbiteriana Unida, à qual a Igreja do Jardim das Oliveiras passou a pertencer (com várias outras igrejas locais que, naquela ocasião, deixaram a Igreja Presbiteriana do Brasil.

De 1967 até 1972, enquanto estudei no Pittsburgh Theological Seminary e na University of Pittsburgh, nos Estados Unidos, e morei nas dependências do Seminário, frequentei a igreja que se chamava então United Presbyterian Church in the USA, e que se chama hoje Presbyterian Church – USA. Na verdade, durante esse período, preguei quase todo domingo, quase sempre em uma igreja diferente, através da “Preaching Association” do Seminário.

De 1972 a 2011, ou seja, durante longos 39 anos, não fui membro de nenhuma igreja.

Em Novembro de 2011, tornei-me membro da Primeira Igreja Presbiteriana Independente do Brasil de São Paulo, conhecida como a Catedral Evangélica de São Paulo, da qual sou membro até o presente. A Igreja Presbiteriana Independente do Brasil é uma cisão, efetivada em 1903, da Igreja Presbiteriana do Brasil.

Essa breve introdução ao tema das cisões dentro do Cristianismo e da Igreja Presbiteriana já serve de explicação para o meu interesse no assunto.

II. As Principais Causas de Cisão

Analisando as cisões mais importantes que ocorreram dentro da História da Igreja Cristã, podemos concluir que os seguintes fatores tiveram um papel preponderante entre as causas das diversas divisões:

  • Divergências teóricas ou conceituais em relação às coisas em que se deve acreditar, às coisas em que não se deve acreditar, e as coisas em que há liberdade de acreditar ou não (divergência doutrinária é como vou rotular isso);
  • Divergências práticas ou comportamentais em relação a como se deve comportar, a como não se deve comportar, e às condutas que podem ser adotadas ou rejeitadas livremente (divergência prática é como vou rotular isso);
  • Divergências litúrgicas ou cultuais em relação a como se deve realizar os eventos comunitários de adoração a Deus, se ele deve se realizar em templos ou pode se realizar em qualquer lugar, se ele deve ser sério, solene, majestoso, ritualístico e programado em detalhe ou pode ser alegre, cheio de vida (avivado, vivificado, etc.), espontâneo, até certo ponto improvisado ao saber das circunstâncias e dos interesses (divergência litúrgica é como vou rotular isso);
  • Divergências na forma de organizar e administrar a igreja, incluindo, na forma de organização, se a igreja é organizada de forma mais “monárquica e hirarquizada” (com um líder central, arcebispos, bispos, etc.) ou mais “republicana e federativa” (mais horizontal, com líderes eleitos, alternância no poder, etc.), e até mesmo o estilo pessoal de gestão de alguns pastores (que podem ser autoritários e quase ditatoriais mesmo em igrejas organizadas de forma republicada e federalizada e que se imaginam democráticas), etc. (divergência quanto à organização e gestão é como vou rotular isso);
  • Divergências acerca do modo de ver o essencial ou fundamental no Cristianismo, se é conformidade da fé pessoal com as doutrinas aceitas como padrão, se é uma transformação na vida (conversão, regeneração, nascer de novo, tornar-se uma nova pessoa), se é o processo de condução da vida pessoal (santificação), se é um fluxo constante de experiências consideradas religiosas ou de relacionamento (comunhão) com Deus, se é a convivência dos crentes uns com os outros (a chamada comunhão dos santos), se é o amor e o serviço ao próximo (caridade), ou alguma outra coisa (divergência na forma de entender o essencial da religião é como vou rotular isso);
  • Divergências na forma de estruturar o processo de formação de clérigos e outras lideranças (divergência na forma de  formar lideranças é como vou rotular isso).
  • Divergências pessoais entre grupos de membros, líderes e liderados, incluindo divergências acerca de questões sociais e políticas (como a abolição da escravatura, no século 19, , aborto, divórcio, homossexualidade, busca de espaço e poder por parte de líderes ou aspirantes a líderes) e outras questões não necessariamente religiosas (divergência pessoal ou em questões externas é como vou rotular isso).

Espero, em artigos seguintes, analisar alguns cismas que foram (de alguma forma, direta ou indiretamente) importantes em minha vida, como cristão, protestante, presbiteriano, e presbiteriano independente.

Em São Paulo, 3 de Novembro de 2014, revisado em Salto em 6 de Abril de 2017

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