Billy Graham

Já escrevi algumas vezes acerca de Billy Graham. Gosto da pessoa e gosto do jeito que ele encarou o seu trabalho, enquanto na ativa. A melhor medida da grandeza do homem se dá comparando o que ele fez com o que seu filho, provavelmente, acabará destruindo. Melhor seria se sua filha o houvesse sucedido no que virou o negócio da família…

Já escrevi, neste blog, embora sucintamente, sobre a “visão de negócio” que Billy Graham tinha de seu negócio. Aqui vou retomar o assunto, para acrescentar uma dimensão da qual eu tomei conhecimento apenas ontem.

O que já abordei foi o seguinte (aqui em versão expandida). Desde o início, quando Billy Graham, chamado a organizar sua Cruzada em Los Angeles, em 1949, ele firmou alguns princípios, que eu acho admiráveis, e que se basearam numa análise séria e realista das razões que haviam levado outros famosos evangelistas, depois de um grande sucesso inicial, a fracassar.

O primeiro princípio (e aqui estou acrescentando algo ao que já escrevi), foi o seguinte: Billy Graham não queria criar uma nova igreja ou uma nova denominação — queria evangelizar. Para fazer isso com sucesso, concluiu que não poderia entrar em concorrência e, muito menos, em conflito, com as igrejas e denominações cristãs existentes, nem com seus responsáveis: precisaria, isto sim, manter excelentes relações com elas e com eles, para que elas não tentassem boicotar o seu trabalho. Para tanto precisaria, primeiro, caracterizar o seu trabalho como eminente inter- ou melhor ainda trans-denominacional. Precisaria, ainda, em segundo lugar, não marcar cultos ou reuniões de suas cruzadas em dias e horas que conflitassem com os cultos das igrejas e denominações da cidade e mesmo da região. E precisaria, em terceiro lugar (mas muito importante), evitar toda e qualquer menção que pudesse parecer crítica de qualquer igreja ou denominação cristã, inclusive por membros de sua equipe. E precisaria, em quarto lugar, explicitamente afirmar, para os que atendessem ao seu apelo e resolvessem dedicar sua vida a Cristo, que procurassem uma igreja de sua escolha, sem recomendar nenhuma. E precisaria, em quinto e último lugar, enviar uma equipe de relações públicas para visitar os pastores (ou equivalentes) das igrejas da região para criar um clima favorável e esclarecer, além de qualquer dúvida, todos os pontos anteriores.

O primeiro princípio foi voltado para fora. O segundo princípio é voltado para dentro. Sua organização precisaria desenvolver um sistema seguro e uma cultura de evitar escândalos e até mesmo a aparência de escândalos, com os consequentes boatos. Foi aqui que sua análise de das armadilhas que haviam derrubado seus antecessores lhe valeu. Resolveu criar normas extremamente estritas e procedimentos inatacáveis acerca das seguintes questões:

  • Dinheiro,
  • Sexo,
  • Preconceito (especialmente racial), e
  • Mentira (em especial na forma de exagero em números e estatísticas).

No tocante a dinheiro, foram criados normas e procedimentos para lidar com ofertas, remuneração da equipe, despesas de viagens, compras, contratação de serviços, divulgação de balanços, etc., para que não houvesse escândalos, nem aparência e boatos, de corrupção de qualquer forma ou de remuneração acima do razoável dos membros da equipe, inclusive dele próprio. Violação das normas e dos procedimento seriam punidos com desligamento.

No tocante a sexo, normas estritas foram seguidas para que membros da equipe evitassem almoçar, viajar ou ficar sozinhos com pessoas do sexo oposto, da própria equipe ou de fora, e que refeições e viagens dos membros da equipe, se envolvessem mais de uma pessoa, sempre incluíssem no mínimo três pessoas, para evitar riscos de envolvimento afetivo. Algumas das normas até parecem exageradas, mas Billy Graham não queria ter surpresas desagradáveis. Violação das normas e dos procedimento seriam punidos com desligamento.

No tocante a preconceito, sendo Billy Graham oriundo do Sul dos Estados, onde o preconceito racial era mais forte, ele foi extremamente cuidadoso em evitar qualquer aparência de que suas cruzadas fossem qualquer coisa menos que totalmente integradas.

Por fim, no tocante aos exageros estatísticos e numéricos, em especial quanto ao número de cruzadas e eventos, o número de participantes, o número de decisões ou conversões presuntivas, etc., tudo isso era era aferido e autenticado por empresas externas de auditoria reconhecidas no mercado pela sua idoneidade e confiabilidade.

Essas medidas, tomadas, em sua maior parte, em 1949, antes de o sucesso chegar “big”, tiveram uma grande parcela de responsabilidade pelo sucesso do empreendimento.

Por fim, quero comentar uma informação da qual eu tomei conhecimento ontem. Bill Gaither, o famoso compositor, maestro e cantor, conhecidíssimo no mundo Gospel, era responsável, num determinado momento, pela parte musical das cruzadas — pela qual Billy Graham tinha o maior apreço e carinho. A área musical era responsável pela escolha de orquestra ou grupo musical, escolha (e, muitas vezes, ensaio) do coral, seleção das músicas, etc. As músicas cantadas pelo coral (em geral o lindíssimo hino “Just as I am”), em geral durante o apelo, eram escolhidas e executados com o maior cuidado, com o objetivo de, entre outras coisas, tocar a emoção dos presentes — que muitas vezes choravam, nesse momento.

Bill Gaither conta uma história que ouvi ontem pela primeira vez. Em uma cidade, logo no segundo dia, um repórter conhecido na cidade, escrevendo no principal jornal da região, disse que o número elevado de pessoas que se decidiam a dedicar suas vidas a Cristo era resultado de uma planejada manipulação de suas emoções conduzida principalmente através da música. Ao ler isso, Billy Graham convocou a equipe, inclusive (naturalmente) a coordenação musical, e disse algo: “Entendo que a razão que o leva a pensar isso, mas nós sabemos que é o Espírito de Deus que age no coração das pessoas. Por isso, hoje à noite, faremos um teste para desmentir publicamente o jornalista: nem uma música na hora do apelo, nem orquestrada, nem coral, nem nada.” Bill Gaither tentou protestar… Mas Billy Graham não deixou. Bill Gaither insistiu para que pelo menos a orquestra e o coral ficassem prontos para tocar e cantar, se houvesse uma indicação de Billy Graham para Bill Gaither que fizesse isso. Só para uma emergência. Billy Graham autorizou, insistindo, porém, que ele acreditava que Deus não deixaria essa emergência acontecer.

Na hora do apelo, “nunca se ouviu tamanho silêncio no estádio”. Durante cinco minutos. Bill Gaither já estava quase cutucando Billy Graham, que estava orando, no púlpito. O povo, provavelmente, esperava a música começar. Passados os cinco minutos e mais um ou dois, ouvi-se o ruído de uma cadeira da qual alguém se levantava. Depois outro. Depois outro. Ao término de outros cinco minutos havia mais de mil pessoas já no campo do estádio. Sem nenhuma música. O total de pessoas que atendeu ao apelo foi maior do que no dia anterior. Pelo restante da duração da cruzada naquela cidade, não houve música durante o apelo — e mais gente veio até a frente por noite do que era a média.

Acho que essa história revela várias coisas fantásticas sobre Billy Graham. Primeiro, certamente a sua fé. Mas para que a fé se revelasse e fosse vindicada, foi necessário, antes, que ele tivesse interesse em saber saber o que os jornais estavam dizendo, e respondesse, não verbalmente, da forma mais convincente e contundente possível. Embora, na organização, ele fosse o presidente e o pregador, ele não negligenciava questões relacionadas à gestão e à avaliação do trabalho que normalmente ficam nas mãos de membros do segundo ou terceiro escalão da equipe.

Este é um pequeno retrato de Billy Graham, que nos ajuda a entender a razão do sucesso de seu empreendimento e dele, em particular — talvez a figura religiosa mais importante dos Estados Unidos ao longo do século 20, figura que chegou a ser chamada de “O Papa Protestante”.

Em Salto, 12 de abril de 2017.

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